Você escolhe o narrador da sua história com base no efeito que deseja causar no leitor, no tipo de intimidade que quer criar e no quanto da trama precisa (ou não) ser revelado. Narrador não é só quem conta — é como a história respira. E uma escolha errada pode matar a tensão ou entregar o final antes da hora.
O que é o narrador numa história?
É o ponto de vista a partir do qual a história é contada. Pode ser:
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Um personagem envolvido na trama (narrador personagem)
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Uma presença externa que observa tudo (narrador observador ou onisciente)
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Ou uma câmera colada na nuca de alguém (narrador em terceira limitada)
O narrador define o tom, o foco, o alcance e a credibilidade da história. Ou seja: ele é parte da engrenagem dramática, não só um “discurso técnico”.
Tipos de narrador e quando usar cada um
1. Narrador em primeira pessoa (“eu”)
Ideal para histórias íntimas, subjetivas, emocionais.
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Vantagem: cria empatia imediata
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Risco: visão limitada e enviesada
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Exemplo: O Apanhador no Campo de Centeio, Veronika Decide Morrer
Use se você quer que o leitor entre na mente do personagem como se fosse um diário com adrenalina.
2. Narrador em terceira pessoa limitada (“ele/ela”)
Narra de fora, mas colado em um personagem.
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Vantagem: mistura objetividade e subjetividade
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Risco: limitação de foco pode confundir se mal conduzido
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Exemplo: Harry Potter, Jogos Vorazes
Use quando quiser narrar com alguma liberdade, mas sem perder a conexão com o protagonista.
3. Narrador onisciente (“Deus narrativo”)
Sabe tudo: o que todos sentem, pensam e vão fazer.
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Vantagem: controle total da história
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Risco: virar uma enciclopédia sem emoção
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Exemplo: Senhor dos Anéis, Dom Casmurro
Use quando quiser amplitude e contexto, mas cuidado para não virar uma palestra com verbos bonitos.
4. Narrador observador (“câmera fria”)
Não entra na mente de ninguém. Só descreve ações e falas.
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Vantagem: cria mistério e deixa o leitor interpretar
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Risco: pode parecer frio demais se mal usado
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Exemplo: O Alienista, alguns contos de Hemingway
Use se quiser um tom jornalístico, seco, quase cinematográfico.
Como escolher o melhor narrador pra sua história?
Faça essas perguntas:
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De quem é essa história?
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O que o leitor precisa saber — e o que deve descobrir aos poucos?
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Qual grau de intimidade emocional você quer?
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Você quer um narrador confiável ou ambíguo?
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O narrador sabe de tudo… ou vai descobrindo junto com o leitor?
Narrador confiável x narrador não confiável
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Confiável: o que ele conta é o que “realmente” aconteceu.
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Não confiável: ele distorce, mente, omite — às vezes sem perceber.
Exemplo clássico: Dom Casmurro. A gente até hoje não sabe se a Capitu traiu ou se o Bentinho era só um ciumento surtado.
Use um narrador não confiável quando quiser jogar com a percepção do leitor e criar múltiplas camadas de leitura.
FAQ: Como escolher o narrador
Posso mudar o narrador ao longo da história?
Sim, mas precisa ser coerente e bem sinalizado. Narrativas múltiplas funcionam, desde que cada voz tenha identidade clara.
Qual é o mais fácil pra começar?
Primeira pessoa ou terceira limitada costumam ser mais intuitivos pra quem está começando. A onisciência exige mais controle.
Dá pra ter um narrador em primeira pessoa que seja não confiável?
Com certeza — e são os melhores. O leitor vê tudo pelas lentes de alguém que talvez esteja mentindo pra si mesmo.
Narrador precisa ser personagem?
Não. Narradores oniscientes e observadores geralmente não são personagens — são presenças narrativas. Mas até essas vozes têm personalidade, tom e ritmo.
